segunda-feira, 14 de junho de 2021

Um adeus doloroso: Leopoldinense, Antônio Lisboa marcou a história da medicina de Brasília-DF

Michel Medeiros - Especial para o Correio Braziliense

O pediatra Antônio Márcio Junqueira Lisboa, o doutor Lisboa, faleceu neste domingo (13/6), aos 94 anos. Por volta das 3h da manhã, o médico foi encontrado sem vida pela esposa, Maria Elisabeth Freire Lisboa (Beth). Doutor Lisboa deixa a viúva, cinco filhos — Antônio Márcio, Antônio Carlos, Márcia, Claudia Teresa e Luís Felipe — e sete netos. O corpo será velado a partir das 8h de hoje no Cemitério Campo da Esperança e sepultado às 10h30.

 

Ao Correio, a filha Claudia Lisboa disse que o pai faleceu de forma serena, como sempre desejou. "Meu pai morreu essa madrugada. Ele morreu como queria, de repente, à noite. Uma benção ter uma morte assim. E foi no dia de Santo Antônio. Estou bem”, conta.

Antônio Carlos Lisboa , filho do médico, recorda os exemplos ensinados pelo pai. "Ele era uma pessoa muito boa. Foi para os seus cinco filhos, um exemplo de cidadão, exemplo de profissional, exemplo de pai e de marido. Foi casado com minha mãe por 25 anos e, após sua morte, casou-se novamente com a minha segunda mãe, Beth, sua parceira por 45 anos. Ele foi sempre uma pessoa presente, amiga com quem tínhamos o prazer de estar com ele", diz.

Em nota, o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha reconheceu o importante trabalho do médico por Brasília. "Dr. Lisboa, que morreu hoje aos 94 anos, é um símbolo da crença na consolidação da nova capital do Brasil. Ele acreditou que Brasília pudesse guiar um novo Brasil, deixou uma carreira de muito sucesso no Rio de Janeiro e veio para a nova capital fundar a Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. A cidade deve a ele a formação de centenas de médicos e o cuidado com incontáveis crianças brasilienses, como pediatra. Agradeço a dedicação do dr. Lisboa, e acredito que falo em nome de todo o Distrito Federal, esperando que seu exemplo continue iluminando nossos profissionais de saúde", declara.

O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) lamentou a morte de Lisboa. "O profissional foi um dos fundadores da Faculdade de Medicina de Brasília e é reconhecido nacional e internacionalmente. Em seu currículo, constam diversos prêmios, certificados e mais de 15 livros publicados. O CRM-DF agradece por todo o trabalho do Dr. Antônio Márcio Lisboa na medicina do Distrito Federal”.

Trajetória

Natural de Leopoldina (MG), formou-se em medicina aos 23 anos, no Rio de Janeiro. Em 1967 mudou-se para Brasília e revolucionou a pediatria na capital do país. Na cidade, ajudou a fundar a Faculdade de Medicina da Universidade Brasília (UnB), o Centro de Estudos Perinatais do Planalto Central e a Sociedade de Pediatria de Brasília.

O amor pela medicina jamais o permitiu parar. Embora tenha se aposentado em 1994, continuou a exercer suas atividades. Atendia no consultório montado em sua própria casa, na QI 13 do Lago Sul. Em mais de cinco décadas, viu pacientes se tornarem adultos. Depois, tratou os filhos dessas pessoas, e os netos. De geração em geração, nunca parou de estudar e se atualizar. O médico já publicou mais de 16 livros e 400 artigos.

No livro Memórias de um pediatra, o doutor Lisboa passeia entre lembranças e reúne acontecimentos da infância até a vida adulta e a velhice. Já nas primeiras histórias, leva o leitor a refletir sobre a ternura de um menino que, se por um lado dizia que não seria médico, por outro, mostrava um profundo amor pela vida, descoberto, às vezes, de maneira trágica. Gostava de fazer coleções, jogar futebol de botão, era fã de faroestes e atirava em índios e ladrões com armas de espoleta. "Fui morto inúmeras vezes, matei vários companheiros". Aos 9 ou 10 anos, ganhou uma espingarda de chumbo. Mirou em uma pomba. Disparou. O animal levantou voo e caiu. "Do seu corpinho, branco como a neve, corria um filete de sangue. Ela agonizava", escreveu nas primeiras páginas do livro. No mesmo dia, devolveu o brinquedo.

A vida em Brasília

Entre as memórias mais queridas de Antônio Márcio Junqueira Lisboa, está a vinda para a capital federal, em 1º de março de 1967, o que provocou uma drástica mudança na vida do profissional. Ele era proprietário da segunda maior clínica de pediatria do Rio. Gastou todas as economias para montar o estabelecimento de luxo, contava com um corpo técnico bem preparado e tinha um ótimo retorno financeiro. Apesar disso, era acossado pela vontade de lecionar em uma universidade, mas discordava da forma como a profissão era ensinada. Na capital carioca, as cadeiras do curso eram ocupadas por professores antigos e adeptos do currículo criticado por ele. Sem vislumbre de possibilidades, em 11 de janeiro daquele ano, o pediatra recebeu o convite para ajudar a criar a Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB). Teria como implementar as próprias ideias na área de pediatria, mas não gostava de Brasília, mesmo sem conhecer a cidade.

A visita à nova capital foi suficiente para desfazer-lhe o preconceito. Voltou para o Rio com os filhos matriculados no Colégio São Bento. Largou tudo o que construiu em nome de um sonho. "Eu ganhava o equivalente a R$ 12 mil. Passei a ganhar o equivalente a R$ 1,2 mil". Trocou a posição consolidada pela dedicação exclusiva, a equipe de colegas bem formados por residentes ainda inexperientes, e a clínica de luxo pelo Hospital Universitário de Brasília, que funcionava no Hospital Rural de Sobradinho, um barracão de madeira com um museu de répteis, insetos e animais peçonhentos encontrados na unidade. Entre os inúmeros desafios, o pediatra precisava reduzir o número de mortes de bebês prematuros internados no local. Também passou um ano comendo em mesas improvisadas na sala do apartamento, na 313 Sul, pois os móveis chegaram um ano depois da data prevista.

Em maio, mudaram-se para a Unidade Integrada de Saúde de Sobradinho e continuaram os trabalhos. O doutor Lisboa separou os recém-nascidos em função do risco "alto, médio e baixo" e, posteriormente, colocou os mais saudáveis com as mães. Ainda no Rio, foi o primeiro pediatra a atender um recém-nascido ainda na sala de parto no Brasil e, também, formou os primeiros neonatologistas do país. No Hospital Universitário, implementou o mesmo sistema e, na UnB, criou a disciplina de neonatologia. Foi autor do projeto Mãe Acompanhante, que permitia que as mães ficassem no hospital com os filhos internados, o que ajudou na recuperação de inúmeras crianças. Designava estagiários do curso de medicina para as periferias, entre elas, a Fercal, para que conhecessem os pacientes em seu contexto social. (Fonte: Site do Jornal Correio Braziliense).